por um toque inesperado
- Edgar Powarczuk
- 28 de mar.
- 2 min de leitura
Certo dia, ouvi do médico Marcelo Verás a seguinte história. Ele era intensivista numa das principais unidades de UTI de Salvador, quando adentrou no centro cirúrgico um colega – também médico - trazendo seu filho desmaiado nos braços. Ele gritava em desespero para que salvassem o menino. O rapaz havia entrado em parada cardiorrespiratória por uma batida de cabeça no fundo da piscina. A equipe agiu muito rápido na intubação e procedimentos. Após 10 minutos de massagem do peito inerte, e seguindo para 10 minutos e chegando a 20 minutos…foi se aproximando a decisão: como deixar de massagear o peito ao saber que o pai está ali em pânico?
Foi num desses movimentos de desistência (quando os protocolos já davam como morte evidente), que o olhar de Marcelo cruza com o olhar desesperado do pai do menino desfalecido. E o pai diz: "Marcelo, eu sei dos protocolos. Mas tenta mais um pouco".
Esse é um instante derradeiro na vida de um médico. Quando a vida do paciente está nas suas mãos e ele tem que decidir até quando insistir. Quando parar e se preparar para avisar da morte aos familiares, numa decisão amparada por todos os protocolos.
Pela súplica angustiante do pai, Marcelo prosseguiu na massagem dramática. Quando, num ímpeto que arrepiou todos, aquele corpo vazio corresponde ao esforço do médico e o rapaz volta à vida.
Marcelo, então, vai lembrar que foi aquele olhar do pai que o fez continuar mais um pouco a massagem cardíaca. Foi algo para além dos protocolos formais o que, de fato, acabou salvando o rapaz. Ele entende agora que o olhar de um pai em pânico contém toda a subjetividade incapturável pelo protocolo. O médico nos confessou que ali ele começou a mudar sua profissão, de médico para psicanalista.
Esse relato nos inspira a pensar como os empreendimentos da vida se constroem. Nosso trabalho pode tomar um novo rumo ao sermos tocados pelo inesperado. Um toque do destino no nosso ombro, uma oportunidade, um insight poderoso que nos encaminha para uma escolha vital. Ás vezes, tanto corremos atrás de um significado na vida e ele acaba batendo na nossa canela.
"O padrão Penrose é a vida", escutei numa palestra de Terry Moore. Cada e qualquer escolha nossa gera um padrão novo, não repetido, que modificará todo curso anterior infinitamente, criando um contexto novo e incognoscível (que não pode ser conhecido antes que aconteça).
A cada escolha, a cada experiência, estamos gerando um código único, uma obra de arte que é a expressão de nossa singularidade no vasto palco da existência.
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