O sofá, o notebook e o perfume gravitam externamente; enquanto o estilo, o auto-conhecimento, a espiritualidade decoram a pessoa internamente. O mercado encontrou nessa persona contemporânea um novo nicho de necessidades, um consumidor de significados. É o marketing existencial.
Como já disse Pierre Lévy, nossa vida comum parece ter tomado as bases de um negócio: “Estamos fazendo business com tudo: sexualidade, casamento, saúde, beleza, identidade, conhecimento, relações pessoais, ideias...já não sabemos mais quando trabalhamos e quando não”.
Nada mais escapa à natureza business do mundo.
Até mesmo os afetos ficaram líquidos, dissolvidos no ácido das estratégias pessoais que são comerciais, de sobrevivência e competição, de "alguém que se vê como mercadoria para si e para os outros“, lembrando Baumann. As relações quase se guiam por um custo-benefício.
Surge a psicologia que consagra um novo self empoderado pelo direito à felicidade e à realização dos seus desejos mais subjetivos. Além dessa porção de coisas escolhidas a sua volta, existem outras habitando um "espaço interior" em que o existente vive e quer deixar mais bonito, como se fosse um apartamento. O sofá, o notebook e o perfume gravitam externamente; enquanto o estilo, o auto-conhecimento, a espiritualidade decoram a pessoa internamente. O mercado encontrou nessa persona contemporânea um novo nicho de necessidades, um consumidor de significados.
Já consagramos uma forma de pensar o consumo de bens invisíveis, que não se pega com a mão (mas que precisam de uma realidade material para existir). Exatamente como este texto que você está lendo.
Há uma produção de bens centrados na busca de sentido para a vida. Como nos propõe pensar Luís Pondé, com seu conceito de marketing existencial, que vende uma felicidade possível.
E o que é um produto de significado?
É aquele que dá a você uma sensação de sentido na vida. O marketing existencial deverá se tornar um especialista em tratar a angústia e ansiedade do mercado. O marketing deverá se tornar mais “profundo” no planejamento estratégico e no desenvolvimento de produtos de luxo com significados mais duradouros e raros.
Num possível "cálculo utilitário" (Jeremy Benthan e Stuart Mill) para a qualidade de vida, o produto ideal deveria ter as seguintes características:
prover o prazer mais intenso possível
produzir seu efeito o mais rapidamente possível
durar o máximo de tempo possível
eliminar um mal-estar de forma certeira
não gerar efeitos colaterais
gerar novas formas diferentes de prazer a partir do primeiro
E como bônus: eliminar emoções tristes e nos fazer donos de nós mesmos.
Na psicanálise a “cura” estaria no momento da contemplação do “naufrágio do mundo ou da própria existência", pensa Felipe Pondé. A ilusão é a doença psicanalítica. Ao ter consciência desse naufrágio é possível viver com mais saúde e de forma mais madura.
"A consciência de si mesmo é um artigo de luxo para o consumidor de significado", escreve Pondé no seu Marketing Existencial.
Que produto nos curará ?
O marketing existencial aplicado ao branding funcionará? A resposta é: porque não? Temos outra escolha? O marketing oferecerá opções aos recantos mais profundos no nosso eu. Tão incríveis que parecerão ter sido criados por nós mesmos.
Num sentido mais profundo, o marketing existencial nos ajudará a conhecer a nós mesmos.
Ao final, as marcas nos oferecerão a possibilidade de um auto-conhecimento tomando, em troca, a nossa grana.
É claro que isso poderá criar formas ainda não conhecidas de sofrimento psicológico. Mas isso pouco importa diante nosso cálculo utilitário. A irrefreável busca máxima de otimização do bem-estar e eliminação do mal-estar.
"Uma critica possível ao marketing existencial é que ele será escravo dessa busca utilitária do bem-estar, mesmo que esta destrua outras dimensões de significado da vida. Pois a vida não encontra significado apenas no bem-estar, mas também no sofrimento, na angústia, na contradição que, muitas vezes, molda o caráter. Higienizar a dor é uma recusa ao amadurecimento.
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