O professor Nique tinha um senhor bigode. Um castanho meio caju inconfundível. Ele quase sempre estava animado. Mas, em alguns momentos da aula seus olhos faiscavam. “A ciência do comportamento!”, ele bradava com o braço sacolejante. Éramos a segunda (ou terceira?) turma do PPGA de Marketing da UFRGS, e o Walter Nique dava a cadeira de Pesquisa em Marketing. Alunos inteiramente seduzidos pelos mistérios por detrás das motivações de consumo.
Era 1989. Na aula daquela noite fria de junho em Porto Alegre o Nique veio com essa:
-“A Indústria Wallig quer lançar um novo fogão. E precisam de tipo de funcionalidade inovadora para introduzir na nova linha.”
-“Muito bem, dividam-se em dois grupos. Cada grupo vai me apresentar inovações para o novo fogão."
Abas laterais, vidro no forno, luz interna, rodinhas. Ficaram por aí as ideias mais plausíveis.
-“Pois é”, e já começaram a faiscar os olhos azuis do Professor. “A Wallig também encomendou uma pesquisa.“
E nos fez sentar: “Eles tiveram a ideia de lançar um concurso nacional de culinária. As donas-de-casa (sim, era assim mesmo) usaram os fogões em show rooms de magazines espalhados pelo Brasil enquanto pesquisadores examinavam suas performances disfarçados no meio do público.”
-“Imaginem o que eles descobriram?”
Ninguém se mexeu. E ele disse: “as cozinheiras usam a boca da frente para fritar”.
-“E a boca detrás para cozinhar o molho”.
Os pesquisadores descobriram por amostragem e observação.
E agora, com essa nova informação da pesquisa sobre o comportamento da consumidora de fogão, que inovação é possível ser desenvolvida?
-“Refaçam os grupos e me apresentem ideias!”
Passados 15 minutos sem eureka dos grupos, Nique interrompeu as discussões:
-“Uma boca com a chama maior!”
E levantou um folder com a foto do novo fogão da Wallig. Ele tinha uma boca de chama maior na parte da frente. Com isso, seria possível fritar melhor já que o fogo precisa ser mais forte. E também com uma boca menor atrás para manter o molho sem queimar. (Sim, antes disso as bocas eram todas do mesmo tamanho).
O lançamento do fogão foi um sucesso de vendas. Mas, uma questão continuava em mistério. Ainda não se podia explicar porque aquele comportamento se repetia com quase todas as cozinheiras.
-“A ciência do comportamento!”, enquanto nos encarava nos olhos. “Fritar na boca da frente é um comportamento que passa de mãe pra filha há muito tempo. E isso vem do fogão a lenha. A gente coloca a lenha na porta da frente e ali fica muito mais quente que atrás. Foi isso que outra pesquisa concluiu!”
(Hoje as bocas maiores estão na parte detrás por questões de segurança.)
Os grandes mestres viveram para que seus alunos lembrassem deles dessa forma. Com tesão pelo conhecimento. É assim que honramos o seu legado.
RIP - Prof. Walter Nique.
1951-2020
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